quarta-feira, novembro 16, 2016

O show de Truman e a pós-verdade


Poucos filmes foram tão felizes em identificar a era de simulacros hiper-reais em que vivemos quanto O show de Truman.
Vivemos em um mundo midiatizado em que a ficção é tida como real, em que essas duas instâncias se confundem e o hiper-real parece tão belo, tão perfeito, tão do nosso agrado que nos parece mais real que a realidade.
No filme de Peter Weir. de 1998, um bebê é adotado por um estúdio de TV para se tornar a estrela de um reality show, um show sobre sua vida, em que tudo é falso, tudo é criado, um mundo perfeito, de felicidades, amigos, vizinhos felizes, uma esposa apaixonada. Mas um mundo falso. Ao descobrir isso, Truman, como o protagonista do mito da caverna de Platão, tenta escapar do pequeno mundo artificial criado para ele.
Curiosamente, o que vemos é exatamente o oposto: pessoas cada vez imersas no mundo de fantasia criadas por elas, por suas convicções.
Sintoma disso é que este ano o Dicionário Osford adicionou aos seus verbetes uma nova palavra, talvez a mais característica de nossos tempos: "pós-verdade". Estamos no domínio da pós-verdade quando fatos concretos perdem valor para crenças pessoais. Exemplo disso é a pessoa que compartilha uma notícia falsa, às vezes mesmo sabendo que é falsa, mas compartilha porque é uma notícia que reforça suas convicções pessoais, políticas, religiosas.
O uso de notícias falsas é talvez a característica mais visível desses tempos de pós-verdade. Se é confrontada, a pessoa responde algo: "É sobre alguém que não gosto, então é verdade" ou "É alguém que não gosto, então, por mais que não seja verdade dessa vez, será verdade na próxima vez".
Vivemos em um show de Truman em que pesssoas se enclausuram em suas convicções e nem por um momento pensam em escapar delas.

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