sexta-feira, outubro 18, 2013

Procure saber - os novos donos da história

Chico Buarque: de censurado a censor
Recentemente um grupo formado por cantores como Roberto Carlos, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Djavan, entre outros, entrou numa campanha  jurídica pela proibição de biografias não-autorizadas.
O grupo usa os mesmos  argumentos usados por Roberto Carlos  para proibir a biografia Roberto Carlos em detalhes, de Paulo César Araújo: o de que os artistas têm direito à privacidade e de que os artistas teriam direito a receber dinheiro sobre obras que tratem de suas vidas.
Num país em que um livro que venda 5 mil exemplares vira best-seller, o dinheiro que os artistas estariam lutando para receber seria uma migalha, coisa se menos de mil reais por livro. Ou seja: o que Caetano ganharia de direitos em cima de um livro que o citasse seria o equivalente a três ingressos de um de seus shows.
A geração que lutou contra a ditadura e contra a censura parece pensar hoje apenas em dinheiro e no egocentrismo. Nessa briga pela volta da censura, vale tudo, até mentira: Chico Buarque, por exemplo, chegou a dizer que Paulo César Araújo o havia citado no livro sobre Roberto sem nem mesmo tê-lo entrevistado. Em seguida, O Globo publicou um vídeo que mostra Chico sendo entrevistado por Paulo César.
O preocupante de tudo isso é que, se o movimento Procure Saber conseguir realmente seus objetivos, toda a produção histórica brasileira estará comprometida.
Aliás, Roberto Carlos já tentou proibir uma dissertação de mestrado sobre a jovem guarda, o livro  Jovem Guarda: Moda, Música e Juventude, de  Maíra Zimmermann, que teve mil exemplares impressos. Roberto alegava que a obra tratava de sua sua trajetória de vida e que a autora não havia pago direitos. 
Mil exemplares de um livro não geram quase que dinheiro algum, ainda mais no caso de uma dissertação de mestrado. Muitos são doados para bibliotecas, muitos são enviados para outros pesquisadores. O dinheiro, quando entra, é pingado. Qualquer um que já tenha publicado sua dissertação de mestrado sabe disso. Ou seja: Roberto estava brigado por uma soma insignificante em cima de um livro que apenas o citava. 
Meu livro Grafipar, a editora que saiu do eixo nunca teria sido publicado se eu tivesse que conseguir a autorização de todas citadas - até porque muitas delas simplesmente desapareceram. E já imaginaram se eu tivesse que pagar a cada uma delas? Eu ficaria individado pelo resto da vida. Ou seja: se a norma pleiteada pelo grupo Procure saber estivesse em vigor, essa parte importante da história dos quadrinhos nacionais continuaria esquecida no limbro. 
Não vai demorar muito e Roberto, Gil e Caetano vão começar a cobrar direitos até mesmo sobre artigos científicos que os citem. 
Pior: pode comprometer até mesmo a produção artística. Uma das características da pós-modernidade é justamente a citação e o uso de personagens reais, vide os filmes de Tarantino ou livro como O homem que matou Getúlio Vargas, de Jô Soares. Aliás, o próprio Caetano, na música Alegria alegria cita a Coca-cola. Será que ele pagou direitos à multinação por uso da marca da mesma forma que agora quer que autores que o citem em suas obras paguem direitos autorais? 
É triste ver ídolos da música querendo a volta da censura apenas para aumentar seus rendimentos. A ganância humana, pelo jeito, não tem limites. Belchior já tinha atencipado o que ia acontecer com esses artistas na música "Como nossos pais", especialmente no trecho sobre ficar em casa, guardado por Deus, contando vil metal. 


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