quarta-feira, junho 25, 2008

O nome da águia

Um dos males de Machado de Assis foi ter, com sua obra de incontestável qualidade, a idéia de que um romance só vale pela análise psicológica dos personagens, ou pela construção sociológica da história. A predominância de Machado em nossa literatura fez com que o modelo literário brasileiro passasse a ser uma marcha lenta constante, como diz Guga Schultze em seu texto no Digestivo Cultural.
No Brasil, autores como Isaac Asimov, que sempre centraram suas obras na trama, seriam relegados pela crítica ao ostracismo. Claro que isso tem relação direta com diferença entre Brasil e EUA. A literatura norte-americana se formou em meio ao fenômeno da massificação e da industrialização. De repente, uma enorme massa de pessoas alfabetizadas e com dinheiro estava interessada em diversão e comprava tudo que saía, de jornais aos famosos pulp fiction, passado pelos gibis. Embora, evidentemente, houvesse autores que centrassem sua atenção mais na psicologia dos personagens, ou nas questões estilísticas, havia uma boa tradição de obras escritas com pé na trama. Uma tradição que vem de Edgar Allan Poe.
No Brasil, o guia literário sempre foi Machado, um funcionário público que escrevia livros, com ritmo de uma vela que queima, para um público aristocrático.
O único gênero em que a ênfase sobre a história pareceu sobreviver foram os livros juvenis e infantis. Foram neles que surgiram grandes autores, tais como Monteiro Lobato e Marcos Rey, que deliciaram gerações de leitores. Lobato, aliás, costumava dizer que não fazia literatura, para diferenciar sua obra dos "acadêmicos". Mas essas crianças e jovens, que moravam nos livros de Lobato ou de Marcos Rey, quando ficam adultos, ou se acostumam com a literatura brasileira em marcha lenta, ou buscam autores estrangeiros. São poucos os escritores que se dedicam a gêneros mais populares.

Essa longa introdução é, na verdade, para falar de O Nome da Águia (Novo Século, 2008, 320 págs.), de autoria de Alexandre Lobão. O livro não tem nada do que se tem visto como qualidade nos autores nacionais: não há longas análises de personagens, nem preocupações sociológicas. Também não há um estilo rebuscado. Há apenas uma história intrigante e bem amarrada, que poderia dar um bom seriado ou (melhor) uma história em quadrinhos.

Lobão, que é roteirista de cinema e quadrinhos, aposta todas as suas fichas na ação e no suspense causado pelos vários ganchos jogados ao longo da história. Além disso, o livro apresenta narrativas alternadas, um capítulo no presente e outro no passado, mostrando encarnações passadas dos personagens. Lembra os bons quadrinhos da década de 1980, período em que os artistas exploraram ao máximo as potencialidades narrativas da nona arte, em histórias pouco convencionais e não lineares.
A história de O Nome da Águia começa em 3497 antes de Cristo, numa pequena tribo de hebreus. Sete personagens recebem dons especiais. Entre eles, dois se destacam: Hebel encarna o amor de Yahweh; Qnah, a paixão.
A narrativa, em seguida, pula para o ano de 2012 depois de Cristo, quando um arqueólogo alemão descobre um documento em hebraico nos restos do bunker de Hitler e comunica a um amigo.
A partir daí, vamos acompanhando as descobertas dos dois cientistas e a perseguição sofrida por eles, alternadas com a narrativa das várias encarnações pelas quais vão passando Qnah e Hebel, que tomam rumos completamente diferentes. Enquanto Hebel difunde a palavra de Deus através de exemplos e da bondade, Qnah tenta fazê-lo através de impérios. Nesse sentido, a trama é um tanto óbvia. Torna-se evidente que Qnah irá encarnar reis, como Alexandre, O Grande e Alexandre Janeu, rei da Judéia ou mesmo Átila. Por outro lado, Hebel irá encarnar Buda e mesmo Jesus.
O interessante aí é não só adivinhar que personagens eles personificarão, mas perceber como o autor irá explicar as inevitáveis incoerências, como o fato de Qnah encarnar Herodes, que manda matar o menino Jesus, e depois irá encarnar papas ferrenhos defensores do cristianismo. Ou como esse personagem, sendo originalmente hebreu, virá a ser Hitler, o maior perseguidor dos judeus.
Surpreendentemente, Lobão consegue atar os fios soltos da trama, explicando até mesmo as incoerências. Essas incoerências, aliás, acabam se tornando, na narrativa, uma forma de ironia.
Algo interessante em O Nome da Águia é o uso da reencarnação. Num país em que há uma parcela considerável da população que acredita no espiritismo, é surpreendente que outros escritores não usem esses preceitos em seus escritos. Na verdade, os livros que falam sobre o assunto são exclusivamente religiosos.
Lobão percebeu a possibilidade narrativa que a reencarnação oferece, ao mostrar como a atuação dos personagens no presente está calcada em suas vidas passadas. E faz isso sem dogmatismo. Ele não quer converter o leitor, quer apenas usar um artifício narrativo pouco usual.
A edição da Novo Século contribui para o bom resultado da obra. Diagramação correta, papel de encorpado, capa com ilustrações em alto relevo. Só faltou uma maior preocupação com a revisão, especialmente com o tempo verbal, que oscila do passado para o presente, às vezes no mesmo parágrafo, como no trecho a seguir: "A multidão abriu espaço enquanto o grupo se encaminhava ao centro da aldeia. Lá chegando, Hebel e Qnah sobem em um pequeno palco no canto da área central". Não é o fim do mundo, mas essa ida e volta dos tempos verbais incomoda o leitor mais atento. De resto, O Nome da Águia acaba sendo um bom thriller de ação num mercado que carece desse tipo de obra.
Ps: Estou com mais um exemplar do livro. Quem quiser concorrer a ele, basta começar a comentar. O leitor que fizer mais comentários de hoje até o dia 20 de julho vai receber, em casa, o ótimo livro de Alexandre Lobão.

6 comentários:

Daniel Pereira dos Santos disse...

Hm. Vale comentários do tipo "olá" ou "belos textos". Vou começar a vir todo dia aqui... Opa. Eu já venho.

Anónimo disse...

a maioria das pessoas não esta nem aí se as histórias são baseadas na trama ou em personagens.
O Fato é que personagens cativam mais. Historias baseadas na trama tendem a serem frias, um veiculo pra escritores doutrinarem DIRETAMENTE e obviamente leitores ou simplesmente pra mostrar sua bagagem cultural/ peripécias intelectuais.
Assimov não é impopular no Brasil porque opta por A ou B em questão de escrita. Ele o é porque a ficção cientifica (assim como as hqs, literatura de fantasia) é um meio de nichos.
FC é um secto muito restrito.
Monteiro Lobato combina "trama" com "personagens". As Pessoas se lembram da Emilia e Do Visconde nem tanto do "País da gramatica", prova velmente mais pelas adaptações pra Tv do que pela leitura.
Enfim, apesar do Anti-intelectualismo populista versus o Academicismo de titulos na cultura brasileira ser fascinante assunto de debates, me parece injusto culpar Machado de Assis pelo abandono da literatura por parte do público, especialmente porque Machado é guia apenas para academia brasileira de Letras como um marco de passagem e referência, não, o centro do universo.
A literatura Brasileira é muito rica.E o leitor tem uma imensa liberdade de escolha. A menos que o escritor busque um tipo de aprovação por parte de meios academicos e intelectuais, não vejo isso como um impecilio a leitura.

Meu nome não é Jonnhy

Sandro Valente disse...

muito interessante suas postagens, eu tbm adoro livros...
eu quero criar uma história mas ainda tenho problemas pa criar um diálogo.
Vi uma outra postagem que de como criar quadrinhos foi uma boa dica pa personagens se vc pudesse colokr umas dicas para diálogo eu ficaria agradecido....

Sandro Valente disse...

eu estou começando a me interessar mais por HQs, mas na verdade me interesso mais por séries, eu criei um blog só para poder publicar algumas historias que criar, claro q ainda não é algo grande mas creio que com o tempo eu consiga aprimorar as histórias

Anónimo disse...

Opa! Legal a 'promoção'. Quem sabe eu não ganho de novo e recebo em Macapá mesmo dessa vez.

Unknown disse...

Acho que independe muito. Visão talvez bastante ingênua, mas acredito na qualidade do suco, independente de formato da jarra. E isso vale tanto pra literatura quanto pra qualquer outra forma de arte. Talvez se Machado de Assis tivesse feito cinema, teríamos um gênero bastante popular no Brasil. E talvez os literatos achassem pouca bobagem suas produções na telinha. Meu, que parâmetro mais viajante...